quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Amor incondicional

Dei-me conta há uns meses atrás de que construímos, eu e ele, uma intimidade, uma ligação, uma unidade que nada ou pouquíssimo se efetivou no campo das idéias ou no campo dos sentimentos ou no campo da corporeidade.

Ora, mas se não se estabeleceu nestas dimensões não é humano, visto que a humanidade é a complexa interligação destas naturezas: matéria racional (inteligência analítica e sintética), matéria sensível (intuição, percepção, emoção e sentimentos), matéria volitiva (escolha), matéria biológica(anatomia e fisiologia), matéria relacional (intrapessoal ou centração e interpessoal ou descentralização), matéria espiritual (transcendência).

De que relação estamos tratando então?

Da minha relação com ele. Uma relação entre seres inteiros, não fracionados ou segmentados em algumas dimensões apenas. Uma relação puramente de querer bem, independente de qualquer idéia sobre as coisas; de qualquer emoção ou sentimento vivido; de qualquer proximidade ou distância física; de qualquer atitude; de qualquer limitação temporal.

A minha relação com ele - a nossa relação - começou pela instância comum e necessária à condição humana, que é a de estar frente à frente, de falar e ouvir, de trocar um olhar, de cumprimentar com um aperto de mão seguido às vezes até de um abraço mecânico.

Isto se repetiu muitas vezes.

Tantas vezes se repetiu quantas nos comprometemos um com o outro, de que mesmo sendo só isso, isso nos daríamos: por-se de frente, falar, ouvir, apertar a mão, olhar e abraçar instintivamente, podendo acontecer o conjunto todo num encontro, parte dele ou uma só das ações.

Interessante, pode acontecer só de se por frente à frente e isto basta. Pode acontecer só de ouvir e isso basta. Pode acontecer só de falar e isso basta. Pode acontecer só de olhar e isso basta.

Hoje, estamos tão mais perto no espaço geográfico, mas tão menos fisicamente, porém, muito mais ontologicamente. A distância que o passado nos impôs fez crescer raízes, alongá-las e tramá-las para interligar-nos. Cresceram fortes e indestrutíveis. Nosso ser se comunica sem precisar dos canais convencionais.

Nosso ser está um com o outro de uma forma que corpo algum seria capaz de estar ou mostrar, que pensamento algum conseguiria conceber ou explicar, que sentimento algum conseguiria despertar ou externar tal qual acontece conosco.

Fusão?

Não!

Individualidades que se encontram, mistérios que se reverenciam, intensidades que se absorvem, seres particulares que trocam sutilezas, vontades que se respeitam, intelectos que se compreendem, corpos que se protegem, necessidades que se transformam, riquezas que se doam, fontes que se saciam, divindades que convivem, humores que se divertem, assim somos nós - eu e ele - sempre dois seres distintos em interação.

De todas as pessoas que já passaram pela minha vida, ele é o mais fiel, o mais paradoxalmente comedido e impactante, o mais comprometido comigo, o mais gratuito, o único que me sacia, o único por quem me encantei, o único capaz de me suportar, aquele que ora é o espelho divino e ora é a própria divindade, aquele que ora deixa ir e ora chama e protege.

Beijos, abraços, carícias, olhares, toques sedutores...nada disso é corpóreo...nossa tangência é de uma forma tão pura, porém não se enganem, nada tem de etérea ou angelical, bastante humana por sinal, mas toda simbólica, aliás o simbolismo é potencialmente globalizador do que se pensa, sente e quer, é potencialmente realizador, é potencialmente satisfatório...é instrumento que eu e ele habilmente utilizamos para nos completar.

Diante dele sossego, nada mais espero, é plenitude, o perdão não é necessário.

Diante dele extasio e me disciplino. Convulsiono e estabilizo. Movo e sou movida. Vivo e faço viver.

Nossa experiência - a minha e a dele - já é eterna. Inquestionável. Pouco ou nada compreendida pelos que não adentraram nesse mundo de sutilezas da alma.

"Quem tem ouvidos para ouvir que ouça" (Mc.4,9).

Nenhum comentário:

Postar um comentário