"A arte é a única coisa que vale a pena."
Para alguém como eu, acostumada com reflexões sobre a complexidade das coisas, do mundo e das pessoas, esta afirmativa parece reducionista demais, simplória e incapaz do que se pretende - garantir o pódio de alguma coisa, no caso, a arte.
O ímpeto de escrever tal assertiva foi sim um desdenhar do resto, da ciência, da filosofia, da religião. Naquele momento nada mais dava conta de resolver, mesmo que simbolicamente, os conflitos, as contradições, as incertezas, as decepções, os receios, os insucessos, o volume de coisas pequenas se sobrepujando às grandes.
Como nunca me permiti fugir da realidade, me omitir, fazer de conta que ela não existe, não havia outro caminho, outra opção, era preciso apontar uma saída honrosa da realidade tão funesta em que nos encontramos mergulhados muitas vezes. Foi aí que letra por letra foi surgindo na tela:
"A arte é a única coisa que vale a pena."
Escrevi isto a um amigo de há mais de duas décadas de contatos sutis, acompanhado de uma arte para presenteá-lo, que servisse de provocação de uma emoção agradável aos sentidos, que despertasse sua admiração.
Ele que reconhece o valor da arte, não disse coisa alguma sobre minha afirmação. Como quem não quer colocar a arte no pedestal, como quem lê nas entrelinhas uma rebeldia, como quem tem outra coisa para colocar no cume de uma hierarquia de valores. Foi isto que imaginei com seu silêncio, com o que sei de sua formação, com o que sei de suas atitudes de ponderação, de equilíbrio, de conceber que as coisas coexistem - são isto E aquilo e não isto OU aquilo.
Mas eu não contava que ele tivesse assimilado, guardado, protegido como a uma chave de ouro que tudo abre pra dar passagem.
"A arte é a única coisa que vale a pena."
Com esta chave, de tempos em tempos, entre silêncios homéricos das duas partes, ele abre minhas defesas, toca o que as palavras não conseguem tocar, quando me envia embrulhado num e-mail um arquivo de arte.
Não é lindo isso?!
Eu não tinha clareza lógica de porque impetuosamente vinha afirmando o "poder" da arte de forma tão inquestionável, até que tendo terminado de ler a literatura do ano, a que me proponho há algum tempo para diversificar das leituras técnico-científicas que são uma constante, lembrei-me de um autor e título que queria muito ler e nunca priorizava: Domenico De Masi - "O ócio criativo", e já nas primeiras páginas acabei encontrando uma explicação, uma das possíveis
"...Por milhões de anos, os primeiros homens acreditaram que a morte era o único fim do indivíduo e que a dor, a tristeza e a melancolia eram inevitáveis e incuráveis." (p. 28)
"A evolução do animal ao homem é uma passagem muito lenta: dura oitenta milhões de anos e ainda não se concluiu. Dessa evolução também fazem parte a descoberta da eternidade (como compensação para a morte) e a descoberta da beleza (como compensação para a dor)." (p. 29)
É uma exigência do homem consolar-se diz De Masi. E aí ele deixa bastante claro o porque da minha sede incansável de arte, o porque do meu desejo desesperador de encontrar um ponto alto para ver o mundo de cima e ao longe...minha sede, meu desejo, minha necessidade é a mesma de toda humanidade, eu preciso ver a beleza do mundo, sua paisagem, e essa beleza natural precisa, deve e pode ser adicionada, por vezes, de estética artificial - a arte.
"Entre todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade." (p. 29)
Portanto, a vida humana que naturalmente é permeada de tristezas, se resolve, se suaviza, se consola na beleza do mundo e na arte que lhe representa adicionando outros elementos agradáveis aos sentidos.
"A arte é a única coisa que vale a pena."
Experimente. Desfrute. Admire. Ouça. Observe. Mova-se. Consuma a beleza, a arte. Produza a beleza com a arte. Descubra que o paraíso é aqui. Pise nele vez ou outra e distinga as mediocridades das grandezas.
(Rembrandt, O retorno do Filho Pródigo)
Fontes:
DE MASI. D. O ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
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