Anunciei à noite.
Pela manhã duas ligações.
Uma regateando o já tão humilhado bem da humanidade em extinção e por isso as pessoas sequer sabem hoje seus valores, não em moeda, mas em vantagens, benefícios, grandeza, dureza que nem o cupim tenta vencer. À minha negativa a voz regateante tremulou, entendeu que estava sendo abusivo e ingênuo, que não se tratava de uma venda em desespero. Quinze minutos depois o regateante liga em desespero querendo ainda o bem.
Na sociedade do descarte, tratam porcelana como se fosse copo plástico, tratam linho como se fosse malha, tratam imbuia como se fosse MDF. Aliás o que é mesmo MDF? Massa de farelo de madeira qualquer com cola? E imbuia alguém sabe? Para os novinhos... uma árvore frondosa cuja madeira é extremamente resistente, moldável a entalhes em tonalidades de marrom claro e escuro, com veios lindos.
E assim as coisas vão passando.
História é palavra tão usada, mas tão pouco introjetada em seu conceito, sua importância, tão pouco percebida sua presença fluída e dinâmica.
Minhas histórias estão indo pouco a pouco para o esquecimento total.
Mal de Alzeimer?
Não. Desconsideração mesmo.
Para as pessoas à minha volta é como se nada que se perde fosse importante, tivesse valor, então, não há que se "apegar".
Usam levianamente o termo "desapegar" no lugar de "não dar valor", "não significar".
Quando me dizem "desapegue" estão dizendo implicitamente "não aguento ver você penalizada com essa perda", "não sei o que fazer para ajudar", "perder é natural", "perder é bom", "eu já perdi e chegou sua vez".
Vejo nos seus olhos uma resignação que não me cabe, um desencanto que beira a motivação de um suicídio, um espírito de vingança que se compraz com a perda alheia, um falso encorajamento verbalizado mas negado pelo seu olhar vazio e perdido nas suas próprias lembranças.
E é com este olhar que querem me convencer a não me ressentir com as perdas.
E não estou falando das perdas de bens apenas, é muito além deles, é muito anterior a eles, é a perda de minha energia, roubada, usurpada, como se numa transfusão de sangue os meus glóbulos vermelhos não mais se reproduzissem.
Talvez por isso meus esmaltes vermelhos, tentativa simbólica de recuperar a cor, a vida.
Outro dia, outro telefonema, outra interessada, uma voz alegre, eufórica, ansiosa, esperançosa, assertiva querendo aquelas graciosidades de quatro pés. Era ela! Ela tinha na voz a respeitabilidade, era digna daquelas peças. Ela já havia me pago com o brilho da voz ao telefone e nem sabia.
E, justamente, quando eu perdia inclusive o vermelho das unhas que esfregavam, raspavam, lavavam, recebi uma nova ligação dela, que só podia ser jovenzinha e estar ouvindo passarinhos cantar.
Extremamente delicada, tentando conter seu entusiasmo, me pergunta se estou em casa, diz que demorou mas está próxima, e pergunta, finalmente, se pode vir buscar o objeto do seu encanto.
Eu só queria conhecer a dona da voz.
Os olhos eram tão vivazes quanto o som que ouvi no motorola.
O motivo da altivez misturada com leveza veio junto, ele devia ser um bom marido.
E a imbuia seguiu seu caminho, desejei a dona da voz, embora não fosse necessário, que o que me serviu por 23 anos a servisse e a fizesse feliz, e que isso ficaria de herança para seus filhos.
Ela ria, agradecia, respeitosamente carregava.
Entendi que vale a pena as coisas passarem quando passam assim, para alguém que sabe o que está recebendo. Só isso resolve em nós aquela equação difícil. O mais dela era maior que meu menos, então o resultado acaba sendo positivo.
E assim caminha a humanidade.
domingo, 24 de novembro de 2013
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Não devíamos nascer com pés porque alimentam a ilusão do chão
Se você tem dificuldade de entender a volubilidade das coisas, a inconstância do ser e do não ser, do estar e do não estar, faça ao menos uma mudança de casa e de cidade na vida.
Depois de um tempo essa realidade volátil pode se tornar tênue às suas percepções pelas falsas seguranças que acabamos construindo novamente, então, para recuperar o senso da instabilidade das coisas faça uma segunda mudança de morada. Não sobrarão certezas, exceto a de que a mudança é a única constância da vida.
Talvez eu esteja nadando em "lugar comum" para quem tanto já se mudou geograficamente. Talvez alguns desses já tenham se anestesiado depois das primeiras experiências. Talvez eu pareça uma infante tratando de um assunto tácito para os bem vividos. Talvez seja necessário rediscutir o tema. Talvez eu discuta muito e ainda assim prefira uma taça de vinho ou duas, quiçá uma garrafa toda pra esquecer as perdas que minhas mudanças geraram e, para fantasiar ganhos que não existiram ou não são perceptíveis neste momento.
O que estou fazendo aqui ainda?
Preciso mesmo responder por que uma pessoa se sujeita a mudar para onde não quer, a fazer o que não lhe realiza, a maquiar o amarelo que surgiu no canto da boca quando sorri?
Espírito aventureiro! Jogar-se no desconhecido! Calcular alguns pequenos riscos para poder lançar-se a outros! Testar os próprios limites e capacidades!
Isso sim é "lugar comum"!
Mas como não sou dada a isso, vamos à realidade.
O que estou fazendo aqui ainda?
Sou uma retirante. Uma refugiada. Perdi meu lugar. Perdi.
Comecei um movimento de centração e descentração a exemplo do que falava Teilhard Chardin e, de repente, longe foi que encontrei uma das coisas perdidas, mas, paradoxalmente, recuperar esta me fez perder todas as outras.
Esta coisa parece importante então?!
Sim, se consideramos o imperativo da nossa natureza física, material, corpórea e só. Sim. O suficiente pra calar-me, pra conter-me, pra me colocar em situação de stand by, apesar de em si significar a possibilidade para fazer todas as coisas.
Quanto mais pão menos tesão.
"A gente não quer só comida,
A gente quer comida
Diversão e Arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte..." (Titãs)
terça-feira, 5 de novembro de 2013
Perguntas de quem quer saber
Olá!
Como vai você?
Como anda seu ritmo de trabalho?
E o que tem feito nos dias de "folga"?
Ainda dá seus cursos por aqui e por lá?
Tem viajado? Tem escrito novos relatos? Ou sobre o que tem escrito?
E a casa nova afinal? Já tomou posse efetivamente? Quero dizer... já criou hábitos nela, já tem o lugarzinho que mais gosta, já descobriu o que precisava melhorar e o que é melhor do que esperava...?
E sua saúde? Tem feito seus exames? Está tudo bem?
Quais as flores que plantou no seu jardim?
Tem ouvido música? Algumas em especial?
O que tem lido?
Ainda prepara seu café daquele jeito estranho?
Aquela história do e-mail me surpreendeu, é como se tivesse aberto uma frestinha do baú e sem querer tivesse me deixado espiar. Primeiro quis fazer alguma coisa, mas nunca ultrapasso com você, se quiser alguma coisa terá sempre que dizer porque a cerca foi bem feita entre nós há muitos anos. Mas sempre me sinto digna por me deixar saber de alguma pontinha de sua história.
Um dia... suas coisas me vêm... as que devem vir, apenas elas e quando vêm causam satisfação, às vezes comedida, às vezes eufórica, mas sempre me deixam bem apenas por ser digna de receber e mais ainda quando são coisas boas pra você.
Você é assim... caro, importante, por tantas coisas óbvias e evidentes e por todas as coisas que nem sei.
Avise quando vem e lhe espero com uma torta de ricota.
Cuide-se.
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