Quando convivi com uma comunidade de religiosos na década dos anos 80, ouvia falarem de três tipos de pobres: os pobres pobres, os pobres de Deus, e o pobre Deus. Isto parecia-me resumir bem todas as pobrezas possíveis, parecia ser suficiente as três abordagens. E que nobre a missão que se propunham de minimizar essas pobrezas, dando pão a quem tem fome, apresentando Deus a quem não o conhece ainda, dando louvores a Deus que muitas vezes se sente só sem o amor de seus filhos.
Não sei o que tanto incluiam no conceito de pobres pobres, mas não me lembro de evidenciarem uma pobreza intangível, a idéia que sempre ficou para mim era a da pobreza material. Em todo caso, mais de 20 anos depois de ouvir esta expressão pela primeira vez, hoje faço outra associação, outra interpretação, outra inferência...há muitas pobrezas intangíveis que podem caracterizar os pobres pobres, uma delas é a pobreza de conhecimento, outra é a pobreza de vontade, outra ainda e da qual trato a seguir - a pobreza de afeto!
A pobreza de conhecimento pode ser resolvida pelo seu portador, desde que busque caminhos possíveis, sempre disponibilizados pelos governos, pelas políticas públicas, por piores que sejam.
A pobreza de vontade, que compreende a dificuldade de escolher e a fraqueza para manter a escolha, pode ser evitada ou resolvida pelo treino, conduzido por outrem no caso dos pequenos ou por si mesmo no caso dos já crescidos.
A pobreza que ora preocupa é a pobreza de afeto, que igualmente às outras, torna uma pessoa miserável, coloca-a em processo de despersonalização, pode gerar transtornos ou alimentá-los, pode adoecê-la fisicamente, pode prejudicá-la socialmente... pode roubar-lhe a vida.
Ora, ora, mas quem discute isso ainda no século XXI?
Vejo textos e comentários cujo os argumentos tentam minimizar o estado de carência afetiva das pessoas ou até descaracterizá-lo. Chega-se a dar a impressão que qualquer um que sinta falta de afeto é imaturo, dependente, incapaz ou desequilibrado. Há sempre uma abordagem propositiva de superação da carência afetiva, mas que nunca considera o papel do outro nessa conquista, ao contrário, delineia-se um papel de herói para o carente afetivo, em que ele deve agir sozinho para solucionar esse problema, ninguém poderá ou deverá ajudá-lo. Arriscam mais, alguns autores, chegam a negar a solidão/exclusão/isolamento/abandono tacitamente ou disfarçadamente dando-lhe novos significados.
Se afeto é sentimento de carinho, de ternura por algo ou alguém , não é lógico, nem saudável enfatizar que cada um pode e deve se dar o afeto, pois, é ato exteriorizado, direcionado a outrem.
Receber afeto, portanto, não depende da pessoa, embora a pessoa dependa do afeto. O afeto não depende da pessoa em parte, poderiam dizer os experts em "jogos de manipulação", sim, porque sempre é possível "arrancar" de alguém o que se quer. Porém, desta forma, manipulando o outro para receber manifestações de seu afeto, não haverá satisfação, no lugar desta, ficará a dúvida cruel se a manifestação do afeto aconteceria livremente sem seu condicionamento ou suborno.
Por este caminho de lógica vemos que é preciso que o outro manifeste afeto, mas livremente. E isto é possível?
Outra possibilidade, é a de cultivar seu jardim e aguardar a visita das borboletas, como se fosse uma lei natural e incontestável que ao cuidar de seu desenvolvimento e crescimento se atrai manifestação de afeto.
Entre os homens isto não é tão matemático assim, tão consequente, tão lógico, tão inconteste, tão seguro, tão certo.
O que se pode fazer?
Ser generoso, elegante e sincero em manifestar afeto a qualquer um! Com isto resolvemos a carência de outros. Quanto a nossa, há que se contar com a generosidade, elegância e sinceridade aleatória.
Também pode-se pensar em pílulas da felicidade - comprimidos ou cápsulas que com substâncias químicas estimulam a produção de certos neurotransmissores capazes de gerar a sensação de bem-estar.
O que escolherá o homem do século XXI?
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