segunda-feira, 18 de abril de 2011

O quanto amamos

Pelo que seremos julgados?
Pelo que seremos salvos?
Se é que a divindade maior realmente pensa nisso como um futuro.
Se é que já não fomos julgados.
Ouvi falar que já fomos salvos.
Do que?
E quem concorreu ao prêmio?
Que prêmio ganhamos e não sabemos?
Havia cupons?
Havia bilhetes?
Uma numeração para sorteio?
Ao que tudo indica
todos nós fomos premiados.
Todos nós somos felizardos.
Todos nós podemos brindar.
Só precisamos comparecer à festa
apresentando a ficha cumulativa.
Que ficha é essa?
Conhece ficha médica?
Em que seu médico anota, resumidamente,
seu quadro clínico cada vez que o consulta,
registrando o que você fez ou não,
como fez o tratamento e os resultados?
Bem igual.
Um histórico!
Ouvi dizer que nele será avaliado
o quanto amamos.
O "quanto" aqui,
sem menção do como,
faz este segundo atributo parecer
que está implícito, tácito,
como se amar só tivesse um jeito
e o que fará diferença
é só mesmo o quanto.
Como se mede isso?
Talvez pela gratuidade
do que recebemos.
Talvez pela busca repetida
que o outro faz
da nossa presença,
do nosso olhar,
da nossa voz,
das nossas palavras,
dos nossos gestos.
Talvez nós nunca saibamos
quanto amamos.
Talvez o outro nunca nos diga
com palavras.
Mas sempre dirá
na atitude de busca.
Quando alguém quer
estar perto de nós,
sem termos jogado,
prometido fantasias,
ameaçado ou chantageado,
continuamos não sabendo
o quanto o amamos,
mas sabemos que o outro
sentiu-se muito amado.
Nosso prêmio por isso?
Uma festa de casamento
à moda antiga - me disse um padre amigo,
como as do tempo dos nossos avós
(eu lembro do casamento da minha madrinha - foi assim),
em que a festa era preparada
pela família e amigos
por dias
e durava também
alguns dias,
acontecia na casa da família,
todos sentados à mesma mesa
comprida,
todos comendo e bebendo juntos,
sorrindo, dançando, comemorando,
servindo e desfrutando
ao mesmo tempo.
Assim ele descreveu o paraíso.
Desde então adorei saber
que já fui salva
e cuido sempre
da minha ficha cumulativa
pra que esteja preenchida
com registros grifados
de muito amor!
Amo as pessoas.
As que merecem
e as que não merecem.
As que souberam receber
e as que não souberam.
As que retribuiram
e as que não.
As que retribuiram com flores
(e literalmente recebi algumas,
mas duas extraordinariamente
cultivadas e exuberantes, raras,
uma delas de um perfume
que me faria ressuscitar)
e as que retribuiram com punhal
(e figurativamente recebi alguns).
Amo as pessoas.
As que doentes ou não,
olharam nos meus olhos
e deram o que são.
As que por um segundo
ou por todo o tempo que nos conhecemos
foram intensas e verdadeiras.
As que me emocionaram
ou me fizeram pensar
ou as duas coisas.
As que tiveram cuidado
e as que não se preocuparam.
As que me fizeram crescer
por bem ou por mal.
As que mentiram pra si mesmas
e as que deixei acreditar que me enganavam
ou as que mentiram pra mim
e de fato me iludiram.
As que me fizeram descer ao submundo
e as que me elevaram ao cume da montanha.
As que me ouviram
e as que me calaram.
As que fugiram
e as que se aproximaram.
As que condenaram
e as condenadas.
As violentas
e as falsamente mansas.
As de quase todas as origens étnicas.
As com vontade de crescer.
As que Deus julgar
que carecem da minha forma de amar:
intensa,
ingênua,
desmedida,
emotiva e racional,
sensível e  objetiva,
humana e divina.
As que carecem
de amor.
Amo as pessoas!
Como posso.
Quanto posso.
Quando posso.
Onde posso.
Porque posso.
Para me esvaziar.
Para ver.
Para sentir.
Para insistir.
Para retribuir.
Para contar
um dia aos netos
que amar vale à pena
quando guardamos
e de novo nos emocionamos
só com o que houve de bom
mesmo lembrando de tudo.
Aos que amei...
aos que me amaram...
aos que amarei...
aos que me amarão...
ao que amo...
e ao que me ama...
festaremos na eternidade:
brindando com sorriso,
dançando com leveza,
degustando com prazer,
conversando com intimidade,
silenciando com afeto,
abraçando com liberdade,
sem despedidas.

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