sexta-feira, 24 de junho de 2011

Antissocial: de comportamento eventual a transtorno


Todos nós convivemos com pessoas mais velhas, aqui ressalto um grupo delas, o grupo das verdadeiramente muito experientes, daquelas que vivem muitas coisas diversas e profundamente, que nao deixam passar coisa alguma em branco, que tudo associam, tudo analisam em busca de conclusões, de sínteses integradoras. Essas constroem sabedoria, sem necessariamente serem diplomadas pela academia. Por essas pessoas sábias é que costumo dizer aos meus pupilos:  "A geração que não respeita, não ouve, não considera, não se curva à geração anterior está fadada ao fracasso".
A sabedoria popular dos mais velhos não diplomados tem algo de tosco para alguns, de óbvio para outros, de tácito para muitos, de instigante para os cientistas, de grandioso para os perspicazes, de admirável para os humildes.

Outro dia busquei informações científicas recentes sobre comportamentos inadequados e difíceis na infância, na adolescência, juventude e vida adulta, afim de melhor identificar e orientar a evitação e/ou tratamento daqueles que estão sob minha responsabilidade.
Visitei o site Scielo (Scientific Eletronic Library Online) - uma biblioteca virtual de publicações de artigos científicos internacional, com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e nos periódicos da área de Psicologia fiz a busca por "comportamento antissocial", encontrando apenas dois artigos, dos quais comento aqui um deles:
"Estabilidade do comportamento anti-social na transição da infância para a adolescência: uma perspectiva desenvolvimentista"
Obs. O artigo foi publicado em 2005, depois disso veio o novo acordo ortográfico, por isso a mudança na forma de escrever anti-social para antissocial, pelas novas regras do uso do hífen.


Os autores   :
Janaína Pacheco é Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É docente do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil/ Gravataí.
Patrícia Alvarenga é Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É docente da Universidade Federal da Bahia.
Caroline Reppold é Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É docente do Centro Universitário FEEVALE.
César Augusto Piccinini é Psicólogo, Doutor em Psicologia pela University of London. É docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Cláudio Simon Hutz é Pós-doutor pela Arizona State University. É docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   


Para seu acesso:

O que o artigo faz é trazer as inúmeras pesquisas, muitas norte-americanas sobre o assunto ou periféricas, para estabelecer o "estado da arte" e acabar concluindo o fator desenvolvimentista do comportamento antissocial.

Segue um resumo do artigo, para uma rápida compreensão, mas não deixem de ver o artigo com toda referência das pesquisas.


RESUMO

1.    Introdução
Os problemas comportamentais e emocionais podem ser classificados em
a)    Problemas de externalização (com o ambiente) e;
b)    Problemas de internalização ( com o self)

1.1     Características do comportamento antissocial e/ou problemas de externalização:
- agressividade;
- impulsividade (baixo controle);
- delinquência (roubos);
- desobediência (fugas);
- oposicionismo;
- temperamento exaltado.

1.2     Características dos problemas de internalização:
- depressão;
- ansiedade;
- retraimento social;
- queixas somáticas.

2.    Comportamento antissocial pode desenvolver, compor:
2.1     Transtorno de Conduta (TC):
- Padrão repetitivo e persistente de violação dos direitos básico dos outros ou das normas ou regras sociais importantes apropriadas à idade (DSM-IV, p. 84).
- Agressão, destruição de coisas, furtos, violação às regras.

2.2     Transtorno Desafiador Opositivo (TDO):
- Menos severo do que o Transtorno de Conduta.
- Padrão de comportamento negativista, desafiador, impaciente, vingativo e hostil. Atos de teimosia e desobediência, dificuldade em assumir erros, intenção deliberada para incomodar outras pessoas.
- Discute-se ainda a possibilidade de considerar a agressividade como um marcador para o TOD ou TDO (Transtorno Opositor Desafiante).

2.3     Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA):
- Padrão anti-social inflexível e duradouro ao longo do desenvolvimento.
- Diagnóstico só a partir dos 18 anos e ter apresentado evidências de TC desde antes dos 15 anos.

3.    Associações clínicas
3.1     Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
- Distúrbio do neurodesenvolvimento
- provoca ao portador prejuízos sociais por:
·         Baixa tolerância à frustração e
·         Conflitos nos contextos familiar, acadêmico e ocupacional.

3.1.1     Sua relação com o comportamento antissocial é explicada por duas hipóteses:
a)    Comorbidade entre TDAH e os transtornos que envolvem comportamento antissocial (Transtorno Desafiador Opositivo e Transtorno de Conduta)
b)    TDAH e transtornos que envolvem comportamento antissocial (TDO e TC) compartilham etiologia comum, a saber: interação estabelecida entre uma criança com características de temperamento difícil e cuidadores relativamente não-responsivos.
- Entende-se aqui que o TDAH seria um estágio inicial e o comportamento antissocial, uma manifestação posterior.
·         O que favoreceria a evolução de TDAH para comportamento antissocial seriam práticas educativas e disciplinares ineficazes, ambiente que permitiria a ocorrência de atos antissociais.

4.    O desenvolvimento do comportamento antissocial
- Segundo pesquisadores (citados na referência do artigo) esse padrão é adquirido na infância, aprendido nas interações sociais, particularmente com membros da família e sofre alterações por exigências do ambiente e do próprio desenvolvimento.
- O comportamento antissocial é um padrão de resposta cuja consequência é maximizar gratificações imediatas e, evitar ou neutralizar as exigências do ambiente social.
- O comportamento antissocial pode apresentar-se em:
·         Comportamentos abertos: brigar, desobedecer, xingar e bater.
·         Comportamentos velados: mentir, roubar, fugir de casa, trapacear.
- Indivíduos antissociais utilizam comportamentos aversivos para modelar e manipular as pessoas à sua volta.
- Os membros da família treinam diretamente esse padrão comportamental na criança. Os pais não reforçam positivamente as iniciativas pró-sociais e fracassam no uso de técnicas disciplinares para enfraquecer comportamentos desviantes.
- Além disso, usam de disciplina severa e inconsistente, com pouco envolvimento parental e pouco monitoramento e supervisão do comportamento da criança.
- Em algumas ocasiões ainda o comportamento antissocial é reforçado positivamente, através de atenção ou aprovação, mas principalmente é mantido pelo reforço negativo.
- A criança se utiliza de comportamentos aversivos para interromper a solicitação ou a exigência de um outro membro da família.
- A aprendizagem do comportamento antissocial ocorreria paralelamente a um déficit na aquisição de habilidades pró-sociais.
- Os comportamentos aversivos da infância, tais como: chorar, gritar, implicar, ameaçar e ocasionalmente bater podem evoluir para os comportamentos antissociais tais como: brigar, roubar, assaltar e usar drogas. Os comportamentos antissociais da infância podem evoluir para comportamentos deliquentes mais tarde. A delinquência, então, é o agravamento de um padrão antissocial que inicia na infância.

5.    Estabilidade do comportamento antissocial
- O que contribui para a manutenção e escalada do comportamento antissocial?
Segundo o Modelo de Coerção proposta pelos pesquisadores Patterson e colaboradores (1992):
1º A criança aprende o comportamento antissocial com os pais por dois fatores quando seu comportamento aversivo (gritar, chorar, bater):
a)    Consegue evitar exigências dos pais; e
b)    Torna difícil seu monitoramento e os pais acabam permitindo que ela fique mais tempo fora de casa, sem supervisão.
2º A criança apresenta dificuldades de aprendizagem e fracasso acadêmico.
3º A criança liga-se a grupos de pares que também apresentam problemas de comportamento.
            Obs. O comportamento antissocial pode ocorrer mesmo em indivíduos que não pertençam a um grupo de pares antissociais.
            - Crianças e adolescentes antissociais frequentemente tornam-se adultos com dificuldade de permanecer em um emprego e em um casamento.
            - Fatores que favorecem a continuidade ou agravamento dos comportamentos antissociais:
                        1. Hereditariedade (Pelo menos um dos pais manifesta comportamento antissocial)
                        2. Intensidade do comportamento
                        3. Variedade dos atos antissociais
                        4. Idade de início desse padrão na fase pré-escolar
                        5. Os atos antissociais ocorrem em mais de um ambiente
            - Idade de início e persistência dos atos antissociais são preditores de:
·         Severidade dos comportamentos antissociais
·         Isolamento social
·         Evasão escolar
·         Uso de drogas
- Quando o comportamento antissocial aparece na fase pré-escolar como comportamento oposicionista e desafiador.
- Quando há deficiências neuropsicológicas (impulsividade e déficit de atenção) e riscos sociais e familiares (violência cultural, padrões de socialização parental e situação sócio-econômica).

6.    Estabilidade do comportamento antissocial da infância para a adolescência: algumas evidências empíricas
- Os problemas de externalização e comportamentos antissociais aparecem mais na infância do que os de internalização e tendem a evoluírem para casos graves na adolescência e vida adulta.
- O padrão antissocial é mais comum no sexo masculino.
- As primeiras manifestações podem ser detectadas aproximadamente aos 18 meses (agredir os pais e destruir objetos).
- Embora ocorram profundas modificações na forma dos comportamentos coercitivos e antissociais na transição da infância para a adolescência, sua função permanece a mesma: maximizar gratificações e eliminar exigências dos adultos.
- Jovens de 18 anos envolvidos com bebida, cigarro, drogas e promiscuidade, aos 14 anos estiveram envolvidos com roubo e outros delitos; dos 12 aos 14 anos mostraram comportamento agressivo e antes dos 12 mentiram.
- O comportamento antissocial tende a apresentar-se como um padrão estável entre infância e adolescência, dadas determinadas condições ou mesmo como agravante.

7.    Considerações finais
- O ambiente social do indivíduo pode gerar o comportamento antissocial, sua manutenção e agravamento.
- O comportamento antissocial está presente nos diversos transtornos emocionais:
TDO – Transtorno Desafiador Opositivo
TC – Transtorno de Conduta
TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
TPA – Transtorno de Personalidade antissocial
- O comportamento antissocial tem a função de:
·         Maximizar as gratificações
·         Reduzir ou eliminar as exigências dos adultos
- A trajetória do comportamento antissocial pode explicar a progressão do TDO para TC, para TPA.
- As pesquisas devem contribuir para implementar programas de prevenção e intervenção que minimizem o impacto desses problemas sobre o desenvolvimento e que evitem a continuidade e escalada do comportamento antissocial da infância até a vida adulta.


É bonito perceber a sabedoria popular ratificada pela ciência.

Um exemplo: "É de pequenino que se torce o pepino".

Você lembrou de outro ditado popular enquanto lia o artigo? Comente.

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