quinta-feira, 2 de junho de 2011

A insustentável leveza do ser


Para escrever sobre o tema deveria ter lido o livro de Milan Kundera, ainda não foi possível, mas hoje assisti ao filme (1988), dirigido por Philip Kaufman, com os atores Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin e Derek de Lint.

Análise literária não é meu "metier", tampouco cinematográfica, escrevo sobre impressões.
Algumas pessoas se prendem a tudo, foram presas a tudo, foram engessadas no colo, foram enformadas, foram "domesticadas", foram castradas, foram treinadas sob o jugo do "não pode" sem discutir os "porquês". Outra possibilidade é a construção proposital e orientada da autonomia, da liberdade, da responsabilidade, é o alertar dos riscos das coisas, mas deixar viver e assumir as consequências  e, para isto não tem outro caminho que não seja o quedar e o levantar, o sujar e o limpar, o lamentar e o comemorar, o constatar e o reorganizar, o sentir, o pensar, o decidir, o fazer e o colher retornos. Outra possibilidade é o "laissez fair" (deixe fazer) que significa tanto a ausência de gesso ou algo que o valha quanto a ausência da construção da autonomia que presume orientação. É como deixar uma barco ao sabor do vento. Na primeira opção, a do gesso, a orientação é "não corra risco algum". Na segunda opção, a da autonomia, a orientação é "corra riscos calculados". Na terceira opção, a do "laissez fair", a orientação é "corra todos os riscos sem muito calcular ou planejar".

Das três orientações apontadas acima entre as possíveis na orientação do desenvolvimento das pessoas, a que nos parece aprioristicamente conduzir para uma maior leveza do ser humano é a orientação do "laissez fair" que encanta e seduz em qualquer idade com sua insinuação de que todas as "veleidades" são aceitas, de que as pessoas são "descompromissadas" de seguir quaisquer modelos  e que isso tem a proteção ou o revestimento ou a capa da "eternidade". O que vemos no filme é que essa "eternidade" é "biodegradável", desfazendo-se diante de impactos reais através do tempo. E como a vida parece se encarregar da inevitável dissolução dessa leveza, o que nos parece melhor? Nunca dar espaço para ela ou tê-la mais tarde na lembrança?

Nem uma coisa nem outra eu apresentarei como resposta, a cada um cabe a decisão, no entanto, cabe uma consideração, de que nos dois casos é necessário sabermos que as consequências, de permitirmo-nos a leveza do fazer qualquer coisa a qualquer momento conforme o desejo ou de permitirmo-nos o peso de seguirmos rigidamente as regras impostas, virão e, querendo ou não teremos que mais cedo ou mais tarde assumí-las.
Há a leveza necessária, benéfica, urgente, para quem "carrega correntes". Algumas pessoas se deixam escravizar por ideias, por obrigações, por expectativas de outrem sobre si. A essas pessoas a leveza precisa acontecer em algum momento da vida e digo que inevitavelmente ela será vivida até por uma simples questão de sobrevivência à tensão. E aqui está o risco dela acontecer de forma abrupta e desmedida. E aí pode vir a queda! Ninguém se sustenta sem compromisso ou sustenta por muito tempo alguém que não se compromete.

Essa suposta leveza do "laissez fair" parece carregar em si o descompromisso das pessoas com quaisquer coisas que não sejam expressão de seus interesses pessoais, portanto, com os interesses, as necessidades, os direitos dos outros. Estariam, leveza e compromisso com os outros, impedidos de se abraçarem, de coexistirem? Não. A terceira via poderia ser a da construção da autonomia. Mas isto é um exercício que exige esforço, treino, fortalecimento de estruturas, no qual há que se considerar um fato vivido analisando-o no contexto dos sentimentos, dos pensamentos, das circunstâncias, dos valores, das pretenções de futuro, das relações, para a redifinição do "ato leve", que pode ser uma síntese do compromisso consigo e com o outro.

No filme, a "leveza" aparece em dois sentidos - o do ser e o da vida. O primeiro, o do ser, apresenta-se pelo "laissez fair" ou neste caso do permitir-se satisfazer desejos. O segundo, o da vida, apresenta-se pela sua fluidez e inconstância, que nos impõe frequentemente novas escolhas diante do que, nossa leveza "do ser", agora entendida como flexibilidade, é necessária e testada em sua existência, porque dela nos servimos para nos adaptarmos às mudanças, às circunstâncias, sem essa leveza ou flexibilidade não conseguiríamos mudar o curso das coisas. Paradoxalmente no filme, essa leveza do ser que primeiro aparece como permissividade pessoal é transformada e usada depois como instrumento, como ferramenta para "mudar" de situação com o objetivo de "manter", de garantir um valor - a liberdade.

A "insustentável" leveza do ser no filme parece exprimir-se em dois momentos, um deles quando por imposição, no caso, de um regime político, as pessoas têm que restringir-se, fazer menos do que poderiam, são cerceadas em sua liberdade ali representada no exercício de uma profissão. O outro momento é o da realidade mais objetiva e pouco considerada da vida que é a morte, a inevitável finitude ou transformação do estado de existência.

A "leveza" do ser no filme fica evidente em três situações: aqueles personagens foram leves dando vazão aos seus desejos, foram leves mudando de estilo de vida e de trabalho para manterem sua liberdade de ideias e, foram leves quando se divertiram e se amaram. Mas essa leveza do ser é incapaz de oferecer resistência à morte.
Desejo a todos a leveza que enriqueça, que liberte, que construa vidas melhores.

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